Da sucessão de bens em relação aos filhos socioafetivos

Da sucessão de bens em relação aos filhos socioafetivos

A sociedade, como um todo, alberga a ideia de que o filho que não é declarado por meio de certidão de nascimento “não é filho”, não tendo, assim, a chance de herdar os bens deixados por seus respectivos pais após o falecimento dos mesmos.

Todavia, tal entendimento não prevalece de forma absoluta na prática, existindo uma crescente preocupação em se resguardar os direitos do filho, após o falecimento de seus pais, ainda que não formalizada tal filiação.

Nesta esteira, existem duas possibilidades plausíveis: a primeira refere-se ao filho biológico, porém não reconhecido, oportunidade na qual a declaração de paternidade pode decorrer de uma prova técnica precedente (DNA), que pode ser realizada inclusive após a morte do genitor; a segunda trata da hipótese na qual o filho não é biológico, mas mesmo assim é considerado filho, fazendo jus, portanto, à herança. Trata-se do filho “socioafetivo”.

O filho socioafetivo é aquele que, embora não biológico de determinada pessoa, é reconhecido socialmente por ela como se o fosse, recebendo continuamente tratamento de filho biológico, com toda a assistência moral, afetiva e material, fazendo com que seja visto pela sociedade como filho legítimo. A esse tratamento recebido se dá o nome de estado de posse de filho.

Em grande parte das vezes, os pais socioafetivos registram os filhos em seus nomes, como ocorre na adoção. No entanto, se isso não acontecer, diferentemente do filho biológico, o filho socioafetivo não poderá recorrer a um simples exame de DNA para comprovar seu status de filho.

Deverá o mesmo, por sua vez, fazer prova de que detém o estado de posse de filho, demonstrando que o pai o tratava como se filho fosse, independentemente de laços biológicos.

Para tanto, alguns dos fatos que comprovam a paternidade socioafetiva são a declaração de imposto de renda constando o filho como dependente do declarante, atestados escolares que constem o pai como responsável, apólice de seguro de vida em favor do filho, cartas de dia dos pais ou de dia das crianças, fotografias de aniversários do filho, “plano família” em clubes ou em plano de saúde, postagens em redes sociais, e, sem dúvida, testemunhas que tenham convivido com ambos no decorrer de um tempo considerável.

Recentemente, um caso análogo foi julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), tratando de um pai já falecido. Nos autos consta que o filho não biológico aparecia em colunas sociais com o pai, era dependente deste na declaração de imposto de renda, era visto pela sociedade como filho legítimo e até utilizava o sobrenome do pai, razão pela qual o julgamento concluiu por reconhecer a filiação socioafetiva post mortem, confirmando entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ).

Com base nessa decisão, o filho socioafetivo habilitou-se no inventário e garantiu o direito à herança deixada pelo pai, que não teve outros filhos. Dessa forma, é possível o reconhecimento de filho socioafetivo, mesmo após a morte do pai.

Bianca Pierri Stocco
OAB/SP 262.949
bianca@stocco.adv.br